Vocês aceitam um cafezinho?
Na coluna de hoje, leiam o conto que ficou em primeiro lugar no concurso cultural Conta Que Eu Apaixono, escrito pela Janaína Barreto e postado com a permissão dela, é claro. =D
Doce Amor
Havia acabado de sair da cama e esse era um bom
indício de que seria uma segunda-feira daquelas. Isso porque eram 7 da manhã e
eu deveria ter saído às 5:30! Sim, é claro que foi culpa da overdose de sorvete
— Um pote... Está bem, foram dois potes e um bolinho — durante mais uma sessão
entre riso e choro de Bridget Jones. Colin Firth sempre me encanta e a cada
colherada, eu suspiro mais e mais. Coisas que o açúcar e a carência de um
domingo à noite podem fazer a uma mulher. Tomei um banho rápido agradecendo aos
céus por não estar em um “badhair day”,
pois esse atraso já era suficiente. Engoli umas torradas molengas com a já
tradicional caneca de chá enquanto enfiava minhas tralhas na mochila, coloquei
a comida de Nicolau, meu preguiçoso vira-lata, e passei ventando pelas escadas do prédio. Eu não esperava um dia muito
produtivo e estava me preparando para ficar no balcão justamente no horário que
ninguém queria: o dos clientes atrasados, apressados e mal-humorados.
Felizmente, eu logo veria que coisas boas podem acontecer mesmo quando se anda
com dois pés esquerdos.
***
Cheguei
à frente da padaria, respirei fundo e entrei de mansinho. É óbvio que Seu Germano
não ia me deixar passar numa boa.
— Ah, olá, Alice! Que prazer encontrá-la tão
cedo! — Junto ao tom sério, ele me olhava com olhos brincalhões que eram sua
marca registrada. Esse jeito de dar bronca ainda brincando, sempre me deixou
nervosa e não pude deixar de virar um pimentão. Eu sabia que meu atraso não ia
sair barato, pois mesmo fazendo o estilo “amigo de todos”, ele ainda era justo.
— Hm, oi, Seu Germano! Bom dia! — A essa hora eu
já estava passando as mãos nervosamente por meus cabelos, sem saber onde me
meter — Vou correndo lá pra trás, tá?
Entrei na área dos funcionários, onde já estavam
todos a todo vapor e comecei a receber os avisos.
— Oi, Alice, bom dia! Pronta pra enfrentar os
melhores clientes hoje, hein! — Sorriu Cecília.
— Ih, Alice, eu não queria estar no seu lugar
hoje… A coisa anda feia desde cedo. Manhã pós-carnaval, estão todos com pressa
e já esperando o próximo feriado, sabe como é. — Felipe gritou lá da cozinha. —
Até a Tereza que está sempre esbanjando paciência e amabilidade está tendo
dificuldade em manter a cortesia e o sorriso. Não é Tereza?!
Nessa hora, Tereza entrou, parecendo exausta
mesmo sendo tão cedo.
— Sim, Felipe, é verdade… A coisa hoje não está
boa, não está mesmo. Mas o bom é que vou ter a Alice pra dividir isso tudo
comigo, não é Alice?! — Tereza me olhou e deu as piscadelas engraçadas de
quando fazia suas piadinhas.
— É, é isso mesmo… — Maldito sorvete, maldito
Mark Darcy! Entre suspiros, lavei e sequei mãos e braços. Coloquei touca e
avental e fui enfrentar esse que, até agora, já estava parecendo o dia mais
longo da minha vida.
***
Passei
pela portinhola do balcão e senti um arrepio. A fila estava enorme. Algumas
pessoas mexiam em seus celulares parecendo desesperadas, outros contavam quantos
haviam à sua frente e outras pareciam exasperadas com a demora no atendimento.
Eu gosto do meu trabalho, sempre amei pães e doces (a noite passada que o
diga…), mas trabalhar com pessoas é sempre difícil. Quando se é tão tímida
quanto eu, multiplique essa dificuldade por 10!
Fui ao meu lugar e gritei “próximo!”. Felizmente,
comecei bem, pois era uma cliente antiga que chegava para ser atendida. Dona
Nita é um amor e louca por doces como eu.
— Bom dia, Dona Nita! Em que posso ajudá-la hoje?
— Olá, Alice, meu bem. Chegou atrasada, hoje, não
é?! — Dona Nita era cliente antiga, já sabia como funcionava o “sistema
Germano” — Eu vou bem e você? Prepare-me meia dúzia daquelas tortinhas de limão
de sempre. Vou receber Patrícia e Guilherme lá em casa. Quero ter algo gostoso
para a sobremesa hoje. — Patrícia e Guilherme são, respectivamente, filha e
genro de Dona Nita que, vez por outra, visitavam-na pra ver como estão as
coisas na velha casa, onde Dona Nita viveu com o marido até o seu falecimento
há alguns anos. Graças a Deus eles têm essa preocupação, pois ela deve se
sentir muito sozinha sem seu companheiro de tantos anos. Sei disso porque Dona
Nita me pegou uma vez na saída do meu turno e me arrastou (literalmente) até
sua casa para tomarmos um chocolate com bolo. Ela me contou tudo sobre sua vida
e foi assim que nos tornamos amigas.
— Claro, Dona Nita! Como estão os dois?
— Muito bem, mas ainda insistindo em ter um
cachorro ao invés de me dar um netinho. Dizem que filho não é pra todo mundo e
que treinar com a Belinha é uma boa, antes de tomar “a grande decisão”.
— Acho que eles estão certíssimos. A coisa anda
complicada e, além do mais, ter um bebê ainda é algo bem caro. — Entreguei a
embalagem com as tortinhas, embaladas na caixa personalizada da Sétimo Céu.
— É, você tem razão, meu bem. Bom, deixe-me ir
andando! Já posso sentir os olhares de fúria nas minhas costas! — Ela deu uma
piscadela, pegou as tortinhas e foi em direção ao caixa.
Essa
foi a primeira e última cliente bacana até as 10h da manhã. Efetuei vendas sem
glamour do tipo “Só um pão, por favor. E rápido!”. Foi uma sucessão de pessoas
impacientes e nada interessadas em esperar. Respirei fundo e tentei me consolar
com o fato de que às 14:00h eu estaria livre e na manhã seguinte voltaria à
área de produção de tortas e bolinhos, engordando à cada prova de cobertura e
novos doces do Felipe. Ah, como o açúcar das manhãs me fazia falta! Foi durante
esse pensamento que ele, então, passou pela porta balançando a sineta da
entrada. Tereza já tinha me falado desse cara. Leo, era o nome dele, fazia o
tipo esquisitão-nerd-sexy. “Muito educado e totalmente o seu tipo!”, ela dizia.
Confesso que não acreditei. Mark Darcy era o único que tinha lugar no meu
coração, atualmente — totalmente inatingível, eu sei —, mas vendo Leo, puxa, eu
tinha mesmo que dar o braço a torcer. Olhei para Tereza, que confirmou a minha
certeza e, em um gesto discreto, me incentivou a ir atendê-lo ao balcão.
— Bom dia, senhor. Posso ajudá-lo? — Dei o meu
melhor sorriso, tentando não parecer nervosa.
— Bom dia — ele apertou os olhos por trás dos
óculos de grau, para ler meu nome na camiseta —, Alice. E é Leo, por favor.
— Certo, em que posso ajudá-lo, Leo?
— Que doce você recomenda para presentear alguém
especial? — Tentei não parecer chateada, mas essa frase me desanimou. É claro
que ele tinha namorada. Olhei de canto de olho para Tereza que, mesmo atendendo
a outros clientes, estava, obviamente, ouvindo a “conversa”, e pareceu tão
decepcionada quanto eu.
— Hm, os cupcakes sãos os pedidos que mais saem
quando o assunto é presente… Há estes coloridos e estes de chocolate com
confeitos de coração.
— Acho que os coloridos seriam mais apropriados.
Ela é alegre, mas não gosta de meiguice demais. Prepare 5 destes aqui, todos de
cores diferentes, por favor. — Corri para pegar uma caixinha e fui separando os
bolinhos enquanto pensava “Estes são os meus favoritos. Boa escolha, Leo”.
— Aqui está. Foi uma ótima escolha, tenho certeza
que ela vai gostar.
— Espero que sim. Obrigada, Alice. Até logo!
Enquanto tentava me recompor, Tereza saiu do seu
posto e deu dois tapinhas nas minhas costas. Apenas assenti, pensando que,
talvez, não era pra ser.
***
Durante
os próximos meses, comecei a perder o horário quase todas as manhãs. É claro
que não era intencional, mas depois de vários atrasos, Seu Germano me mudou de
horário de uma vez e passei a ficar no atendimento todos os dias. Mesmo
sentindo falta dos doces, por um lado, eu, secretamente, estava gostando. Tinha
oportunidade de fofocar com Tereza durante o horário de menos movimento, o que
sempre me divertia, e me encontrava mais vezes com Dona Nita. Ah, e também
podia ver o Leo sempre que ele aparecia. Ele não era um cliente frequente,
vinha vez ou outra, sempre às sextas-feiras e, ao entrar na padaria, me
procurava ao balcão. Acho que ele havia percebido o meu gosto pelos doces e por
isso sempre me pedia indicações “para uma pessoa especial”. Eu gostava de
atendê-lo, mas separar os doces para outra pessoa me deixava triste e, o mais
estranho, com um pouco de ciúmes. Talvez eu tivesse absorvido a ideia de Tereza
e, quem sabe, começado a me interessar pelo rapaz educado e diferente que era
Leo. Todo mundo sabe que nada agrada mais uma mulher do que ganhar doces e
chocolates. Bem, funcionaria pra mim.
***
Mais
uma sexta-feira chegou, e nessa semana, eu teria minha folga semanal bem no
sábado. Eu aproveitaria para ir à praia e também para colocar minha leitura em
dia. Fazia algum tempo que eu não tinha ânimo para ler, mas acho que um romance
leve e açucarado era exatamente o que estava precisando. No meio do meu
devaneio, vi Leo entrar. Ele estava de camiseta simples, sem estampa ou desenho
e uma calça jeans meio desbotada. Duvidava que ele estivesse indo trabalhar
hoje, pois parecia mais descompromissado do que nunca, embora ele sempre
tivesse esse ar despojado de pessoas que trabalham com criação ou algo assim.
Grudei o “sorriso pra o Leo” no rosto e fui atendê-lo. — Bom dia, Leo. O que
vai ser hoje?
— Bom dia, Alice. — Olhando para o lado, ele deu
um tchauzinho para Tereza. — Ah, o de sempre, por favor. Os cupcakes coloridos.
— Está bem, já volto. — Pouco depois, voltei com
a caixa e falei. — Hoje tinha um sabor novo, com uma cor diferente também.
Coloquei na embalagem no lugar do de baunilha, tudo bem?
— Sim, tudo bem. Talvez Karen já estivesse
enjoando dos mesmos sabores, apesar de me segredar que adora cada vez que levo
essas coisinhas pra ela. Aliás, obrigada por isso, Alice. O mérito é todo seu.
Até logo.
— Até logo…
Karen…
Então era esse o nome dela. “Moça de sorte”, pensei.
***
Era
mais uma tarde quente e eu chegava em casa com o almoço pronto que pegava
sempre na padaria. Nicolau me esperava impaciente, visto que tinha limpado a
tigela da ração.
— Seu comilão! Dormindo o dia inteiro e ainda
comendo desse jeito, onde você vai parar?!
Ele não era um cão exatamente jovem e eu me
preocupava com ele, pois não podia dar-lhe tanta atenção como eu gostaria.
Havia, é claro, os nossos passeios ao anoitecer, mas cães não são animais
solitários e passar a manhã e parte da tarde sozinho não devia ser bom pra
ele. Eu tentava compensar, dando-lhe toda atenção que podia e acho que
conseguia compra-lo, pelo menos um pouco. Reabasteci a tigela, coloquei minha
comida no micro-ondas e fui tomar banho. Ainda de tolha, cai no sofá-cama
lambendo os dedos sujos de comida e fui jogando os ossinhos de galinha pra
Nicolau que corria logo pra sua cama e dedicava-se, então, à exigente tarefa de
roê-los até o fim.
Lavei as mãos e vesti meu pijama. Era hora de ler
um pouco. Eu queria voltar ao hábito e esse era o melhor horário pra ler sem
correr o risco de cair no sono. Peguei minha mochila e, enquanto procurava o
livro (sempre o levava comigo, para ler entre as viagens de ônibus, o que nunca
deu certo, pois eu sempre dormia nas primeiras frases), encontrei um pacote bem
pequeno e muito bem embalado. Com certeza não era meu, mas se estava na minha
bolsa... Achado não é roubado. A curiosidade foi maior e abri. Era um cupcake.
Ah, fazia tanto tempo que eu não comia um doce de verdade! Depois de começar a
atender os clientes, eram raras as minhas idas ao "santuário" de
Felipe. Soube que ele estava fazendo novas experiências de massas e coberturas.
Talvez Tereza tivesse colocado ali pra mim, afinal, doce era comigo e, modéstia
à parte, provavelmente eu o avaliaria melhor que qualquer um na padaria.
Voltei ao sofá-cama e comecei a analisar o bolo.
Era pequenino, confeitado com capricho. Tinha uma cobertura azul cheia de
pontinhos mais escuros que só podiam ser açúcar e havia algumas flores pequenas
jogadas desordenadamente sobre ele. "Dessa vez você caprichou,
Felipe", pensei. Talvez não fosse tão bom quanto lindo, mas conhecendo o
nosso confeiteiro, eu sabia que essa hipótese era pouco provável. Finalmente
mordi. Uma explosão de sabores invadiu minha boca. Era doce na medida certa, a
cobertura era cremosa e a massa era fofa e leve, o recheio tinha um toque
cítrico. Era o bolo mais delicioso que eu já havia comido! Extasiada por essa
maravilha, peguei o celular e enviei uma mensagem à Tereza: "Obrigada pelo
cupcake. Se ainda estiver aí, diga a Felipe que eu o amo e que dessa vez ele
acertou em cheio. Estou nas nuvens!" Segundos depois recebi a resposta:
“Claro que digo, mas, assim por curiosidade, do que você está falando?”
***
Na
manhã seguinte, comecei a rotina na padaria e, assim que pude, conversei com
Tereza sobre o tal cupcake.
— Mas Tereza, estava em minha bolsa. Como não foi
você?!
— Ora, por que seria eu? E por que eu não te
avisaria?
— E quem mais seria? O Felipe está sempre atolado
nas panelas e com as mãos sujas de coberturas e massas. Cecília agora fica
sozinha com os pães. Faça as contas e veja quem sobra.
— Ai, Alice, mas não fui eu, já disse. E Felipe
falou que, pela descrição, a criação não era dele, embora ele tenha gostado que
fosse, até onde eu sei.
— Está bem, está bem… Melhor deixar pra lá.
Os
dias foram passando e nada de novo aconteceu. “O caso do bolinho” não se
repetiu e acabou por morrer, exceto pela obsessão de Felipe, que passou a me
chamar à cozinha pra experimentar suas criações, enquanto ele tentava copiar a
receita que eu havia descrito. Apesar de deliciosas, nenhuma chegou realmente
perto da original e eu saia de lá tão triste quanto ele, por não saber se
provaria algo tão delicioso outra vez e, pior, nem conseguia imaginar quem
teria colocado isso na minha bolsa.
Leo aparecia cada vez mais raramente, o que me
chateava. Depois eu pensava que era uma coisa boa, pois ele era comprometido e
essa paixonite impossível não me levaria a lugar nenhum. Você deve imaginar que
isso era tudo conversa boba e, infelizmente, vou ter que confirmar. A verdade é
que eu estava, sim, apaixonada pelo Leo e esperava, sinceramente, que ele não
tivesse reparado, afinal, apesar de tudo, eu ainda era ou tentava ser, uma moça
sensata.
***
Acordei
cedo naquela manhã e olhe que era uma segunda-feira. Nicolau estava na cama,
empertigado na minha barriga, dormindo e roncando como sempre. Levantei devagar
e fui ao banheiro, escovei os dentes, coloquei um vestido leve e tentei acordar
o preguiçoso. Depois de algumas sacudidelas, consegui fazê-lo acordar, troquei
sua água e coloquei a ração, que ele comeu com disposição. Tomei meu chá com
torradas (estavam deliciosas, desta vez) e peguei o colete e guia do meu
cachorro.
— Vamos lá, fanfarrão. Vamos fazer diferente
hoje.
Corremos para a pracinha mais próxima. Bom, por
correr, entenda que eu tentei andar mais rápido, mas meu cachorro acabava
sentando a cada quarteirão e eu tinha de levá-lo nos braços. Pela última visita
ao veterinário, eu sabia que ele estava bem, mas fui fortemente aconselhada a
fazê-lo passear mais vezes pois estava ficando acima do peso. É claro que era a
preguiça dele falando mais alto e eu e minhas costas íamos pagar o preço.
Passeamos cerca de meia hora pela praça e então voltamos pra casa. Ele desabou
na cama (desta vez a dele) e eu fui para o banho, me preparando pra mais um dia
de trabalho.
***
Era
uma manhã comum e, estranhamente, tranquila para um início de semana.
Rapidamente chegamos ao horário do almoço. Nessa altura do dia, a área de doces
e pães ficava mais tranquila. A segunda surpresa do dia foi ver Leo passando
pela entrada. Eu nunca o tinha visto aqui nesse horário e ele parecia nervoso,
o que também era incomum. Cumprimentou a mim e a Tereza com um aceno de cabeça,
ao qual respondemos da mesma forma. O vi entrar na fila do self-service e construir um prato incrivelmente grande para um
rapaz de porte relativamente pequeno, pra não dizer magrelo. De vez em quando,
ele me olhava e, é claro, eu ficava nervosa por isso. Será que eu estava
diferente hoje? Meu cabelo não acordou querendo fazer acordo, é verdade, mas
acho que consegui deixá-lo apresentável. Tereza teria me dito se houvesse algo
errado. Não teria?! Além do mais, a touca não deixava muito dele aparecer, o
que acabou por me tranquilizar e depois enervar novamente, pois se não era o
cabelo, o que seria, então?!
Observei-o
sair sem se despedir. Isso sim era estranho. Onde estava o Leo simpático e
educado que eu conhecia? Tudo bem que nosso relacionamento era essencialmente
profissional. Aliás, poderíamos chamar esse contato “me dê os bolinhos de
sempre” de relacionamento? É claro que sim! Bom, talvez não… Não era muita
coisa, afinal. Tentei esquecer meus pensamentos e trabalhei o resto do meu
horário de forma mecânica e pouco convincente. Tereza, notando a minha “falta
de espírito”, parava a cada cliente para me perguntar se eu estava bem, ao que
eu respondia que sim, com um sorriso amarelo.
Às
14h sai do balcão para a troca de horário, fui para o cantinho dos
funcionários, tirei touca e avental. Pelo espelho do armário, vi que eu estava
meio abatida. “Era por isso que Leo estava me olhando”, pensei. Trancei o
cabelo, passei um pouco de gloss e
apertei as bochechas — na falta de blush,
isso daria conta. Pronto, agora estava melhor! Esperei Tereza e saímos em
direção ao ponto de ônibus. Foi ai que o vi. Leo estava sentado em um dos
bancos da avenida paralela à padaria. Ao me ver, ele correu sem muita pressa e
sorriu ao subir à calçada.
— Oi, Tereza – cumprimentou-a, parecendo ter
recuperado a educação recentemente desaparecida. — Alice, gostaria de falar com
você. Na verdade, preciso de um conselho seu. — Tereza pareceu ficar meio
verde, me deu um beijinho e saiu ventando para o ponto de ônibus.
— Puxa, Leo, eu adoraria te ajudar, mas tenho que
chegar em casa para alimentar Nicolau.
— Nicolau?
— Sim, meu cachorro.
— Ah… — esse me pareceu ficar nervoso novamente e
até meio desapontado, mas se recuperou, pois perguntou: — Posso te acompanhar,
então?
— Claro, mas fica longe daqui e eu vou de ônibus.
— Não tem problema, estou acostumado, pois é
assim que vou visitar Karen.
— Hm. Certo.
Chegamos
ao ponto e subimos no primeiro coletivo que passou. Leo, durante todo o
trajeto, ficou se remexendo no banco, sem dizer uma palavra. Eu também não
arrisquei falar nada, embora continuasse achando tudo isso mais do que estranho
e tivesse começado até a sentir certo medo.
— Eu fico na próxima — falei.
— Hm, está bem. Vamos lá, então. — E ele deu
sinal, abriu espaço para que eu passasse à frente, então descemos. Subi no
degrau da portaria, já pronta pra entrar e falei:
— É aqui que eu moro, Leo. E então, que conselho
você queria me pedir? — Olhando para os próprios pés e depois para meu rosto,
direto nos olhos, ele falou:
— Conselho nenhum. Eu só queria te entregar isso.
— E me entregou uma sacolinha de presente que eu, até então, tinha imaginado
que seria para Karen-a-tal-namorada-sortuda-do-Leo. Para meu espanto, Leo
chegou mais perto do degrau de entrada e meu deu um beijo. Não no rosto, não na
boca. Foi na trave, como eu costumo dizer. Aquele beijo no canto da boca que só
serve pra te deixar com vontade de beijar. E, sem mais nem menos, ele foi
embora, me deixando com cara de boba, sem saber o que fazer.
***
Devo
ter ficado paralisada durante alguns minutos, pois acordei do meu “estado” por
uma senhora pedindo passagem. Corri as escadas, joguei minhas coisas no
sofá-cama, fiz festa na barriga de Nicolau e coloquei sua ração. Deixei a
sacola em cima do meu criado-mudo e sai olhando-a de rabo de olho. Eu ainda não
tinha coragem de abri-la. Fui para o banho, no qual me demorei mais do que o
necessário. Não tinha fome, portanto sentei e peguei a sacola. Nicolau me
olhava com cara de “Como é que é? Não vai abrir?!”. Criei coragem e olhei para
dentro da sacolinha. Havia um pequeno embrulho, o qual notei que era exatamente
igual ao daquele cupcake misterioso. Peguei-o e abri. Novamente, era um
bolinho. Desta vez era coberto com glacê vermelho e cheio de estrelas. Abaixo
do papel, estava grudado um pequeno envelope. Abri-o e olhei o bilhete. A letra
era pequena, de forma e pouco organizada. Era a letra dele, eu tinha certeza.
Dizia “Na sorveteria da Praça Hortelã, às 17:00h. Não se atrase, por favor”.
Olhei para Nicolau, embasbacada.
— Veja só, Nicolau! Com certeza ele percebeu que
gosto dele, mas se pensa que vai ficar comigo e com a
tal-Karen-namorada-possivelmente-traída-do-Leo, está muito enganado! — Embalei
novamente o cupcake e o coloquei na sacola. Devolveria quando encontrasse com
Leo para saber o que estava acontecendo e o que a namorada dele achava de tudo
isso.
***
O
tempo voou enquanto eu organizava o meu minúsculo e atulhado apartamento, o que
foi bom. Lavei toda a roupa suja, troquei os lençóis do sofá-cama e até a capa
da cama de Nicolau. Olhei para o relógio e eram 16:30h! Refresquei-me e não
perdi tempo escolhendo uma roupa, peguei a primeira que apareceu (o que foi
fácil, pois era a única limpa), prendi o cabelo em um rabo de cavalo e sai com
o bolinho em mãos.
A praça não ficava longe da minha casa e cheguei a
tempo, faltando um minuto para 17:00h. O sol já estava se pondo, portanto
estava fresco, o vento movimentava as árvores da praça e o cheiro de hortelã
dos canteiros enchia o ar. Olhei ao redor e logo o vi. Leo estava com o mesmo
visual desarrumado que me desconcertava, mas tentei manter o foco e me lembrar
do que tinha me levado até ali. Ele acenou e caminhei até o banco onde ele
estava sentado me esperando. Quando cheguei perto, ele fez menção de me tocar
no braço, que desviei com rapidez. Seu rosto ficou sério. Coloquei o pacote no
banco entre nós.
— Quero saber o que é isso. — Perguntei apontando
para o pacote e ele me olhou com desconfiança, levantando uma sobrancelha e
pegando a sacola.
— É um bolinho. — Ele espiou dentro e viu que
estava intacto. — Achei que você iria gostar, Alice. Tereza me disse que você
tinha gostado do primeiro.
— Tereza? O primeiro?
— Sim, Tereza. Ela me ajudou com o outro cupcake.
Felipe o fez e ela colocou na sua bolsa.
— Como é que é? Leo, sinceramente, não estou
entendendo.
— Alice, você não percebeu que eu ia à padaria só
para ver você? Não percebeu que eu sempre pedia pelo seu atendimento? Os doces
de Felipe são deliciosos e Karen os adora, mas sinceramente, há outras padarias
na região. — E tentou sorrir, mas vendo meu olhar, ficou sério novamente.
— Leo, não entendo, realmente. Você arma um plano
com meus amigos, que foi muito bem arquitetado, se me permite dizer. Tereza
negou veementemente e Felipe, bem, ele me convenceu que estava tentando recriar
uma receita fabulosa! Mas ai você fala dessa tal Karen. Desculpe chamá-la de
tal, sei que é sua namorada e devo respeito, pois não a conheço e eu não o
conheço, também. Tenho certeza de que você percebeu o que sinto por você, mas
não é por isso que pode fazer o que está fazendo. Quase me beija e me dá esse
presente. Um doce, algo que eu adoro. Leo, eu não posso. Você é comprometido e
eu não sou assim, se é que você me entende.
Na outra ponta do
banco, vi Leo começar a sorrir com os olhos. Sorriso que desceu para a boca,
virando uma gargalhada. Eu não podia acreditar que ele estava rindo na minha
cara! Um pensamento me ocorreu. “E se eu me confundi? E se o beijo era pra ser
no rosto? E se o bolinho era um agradecimento por escolher os melhores cupcakes
para a namorada dele?”. Ultrajada e envergonhada, levantei do banco e corri.
Poucos metros depois, senti uma mão me pegar pelo braço. Era Leo, vermelho como
um pimentão por ter corrido atrás de mim. Aparentemente, parecia que ele
precisava mais de exercícios do que meu cachorro.
— Alice, espera… — E ele parou com as mãos nos
joelhos, respirando alto e com dificuldade; depois sacudindo uma das mãos
pedindo pra que eu esperasse. Decidi esperar, apesar de querer mesmo é cavar um
buraco e me jogar dentro dele. Com certeza deixei os meus devaneios subirem à
cabeça e confundi tudo. Pior, estraguei minha amizade com Leo!
— Alice — respira, respira —, você entendeu tudo
errado! — E mais risadas explodiram. Eu já ia embora novamente, mas ele, mais
uma vez me segurou. — Desculpe, vou me controlar. Isso acontece quando estou
nervoso. Alice, desculpe não ter explicado. Karen não é minha namorada, ela é
minha irmã e amiga de Tereza. Há pouco tempo, elas se conheceram e ficaram amigas.
Eu passei a ir à padaria buscar doces para Karen, pois Tereza tinha recomendado
fortemente as delícias criadas por Felipe e, sendo minha irmã uma formiga, não
tive escapatória. E foi numa dessas idas à padaria que eu a vi. Sei que é
absurdo e bobo, mas me apaixonei. Pelo seu jeito simpático e tímido de atender
aos clientes, pelo esmero e cuidado que você tinha ao embalar os doces. Tentei
fugir, não demonstrar meu interesse, pois tinha medo que me achasse maluco, o
que depois da minha atitude na portaria do seu prédio, deve ter se confirmado.
— Leo, eu não sei… — Com essa resposta, Leo ficou
pálido e balançou a cabeça.
— Está tudo bem, Alice. Eu entendo você. — e foi
dando as costas.
— Leo, espere!
— Hum, o que foi?
— Eu realmente entendo o que quis fazer e o
admiro pela sua coragem. Eu jamais teria feito algo assim. — Sorri da forma
mais amigável que pude. — E já que você é um rapaz livre e não há mais
Karen-a-namorada-perfeita-do-Leo, acho que posso revelar. Toda vez que você
entrava pela porta da padaria, meu coração parava e eu ficava nervosa.
Involuntariamente comecei a me atrasar para o trabalho e Seu Germano, o dono da
padaria, me trocou de horário. Pela minha timidez, nunca fui boa em atender os
clientes, preferia ficar nos bastidores ajudando com os doces e pães. Mas com
você, eu não me sentia assim. Sempre foi bom, embora meio triste, embalar e
escolher os doces para você. E já que é assim, acho que, se você realmente
quiser, podemos tentar. Só há duas condições.
— E quais são elas? — Perguntou Leo, não sabendo
de ficava nervoso ou feliz.
— Que você passe esse cupcake delicioso pra cá e
me dê a outra metade daquele beijo que faltou!
FIM
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